Norval Baitello Junior

O Amor e seus Demônios

“De uma fresta, fenda aberta no frio do mármore lapidar, brota, cresce e jorra abundante e longa cabeleira, com cálidos cachos quase cor de fogo. Marca da força indomada e indomável do desejo e da mais louca lascívia, da erupção vulcânica da vida, os cabelos femininos, quase sempre condenados a permanecer amarrados, presos, ocultados, cobertos, penteados, alisados, enfim domesticados. Quando libertos e revoltos, cantam cantos de liberdade, gritam gritos de alegrias, atiçam os véus do vento, lançam lâminas cortantes contra o espírito do aprisionamento das mentes, penetram e perfuram furiosos o tempo trágico da morte do feminino, lambem como labaredas rígidos preceitos e hábitos milenares da domesticação do desejo. Assim abre a artista Alzira fragoso a fenda no mármore, abrindo as portas para que, de dentro da frieza marmórea, nasça e cresça a cálida cabeleira. Os cabelos femininos carregam em si a memória de muitos mundos de crenças e descrenças, dos tempos remotos da origem e dos seus mitos. Por isso transportam tantos significados, tantas narrativas, tantas memórias. Por isso citam constantemente notáveis lendas e histórias. Desde os longos cabelos que caracterizam as representações leônicas de Maria Madalena, até a narrativa de Gabriel Garcia Marquez, cujas imagens dialogam com a presente exposição, justamente porque se valem da densidade mítica dos cabelos femininos. Os longos cabelos femininos que evocam os fios do tempo que conduzem aos tempos primordiais.

Norval Baitello Junior
Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade Livre de Berlim,
Professor da Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da
PUC de S. Paulo e Diretor científico do Centro interdisciplinar de Pesquisas em
Semiótica da Cultura e da Mídia.